quinta-feira, 4 de novembro de 2010
TRANSCOMUNICAÇÃO INSTRUMENTAL
Com um PC e um rádio de ondas curtas, várias pessoas gravam conversas com parentes e amigos mortos. Analisadas por peritos, que confirmam sua veracidade, as gravações estão atraindo o interesse da ciência.
Vida após a morte. Para quase todos nós, tais palavras compõem, no máximo, uma interrogação. Uma afirmação nesse sentido teria de, no mínimo, vir acompanhada de uma convincente explicação científica. Caso contrário, soaria como um desejo místico ou pregação religiosa. Tal possibilidade, entretanto, nunca apresentou tantas evidências como agora. Como se verá adiante, a chamada transcomunicação está conseguindo o que antes era apenas ficção de terror: mostrar que os mortos habitariam outra dimensão física e temporal, de onde podem se comunicar com os vivos. São evidências fortes e a ciência não consegue mais ignorar.
Um grupo ainda relativamente pequeno de médicos, engenheiros, psicólogos, músicos, donas-de-casa – pouco mais de 900 no Brasil e cerca de dez mil no mundo – está trabalhando para provar a existência de alguma forma de vida após a morte. Eles conversam com parentes e amigos mortos por meio de equipamentos eletrônicos. Diferente da chamada mediunidade (característica que distingue os que afirmam que têm contato com os mortos), praticada por espíritas, esse novo tipo de fenômeno permite uma análise pelos instrumentos da ciência.
A maior parte das pessoas – denominadas comunicantes, segundo o jargão utilizado pelo grupo – está reunida na Associação Nacional de Transcomunicadores (agora Instituto de Pesquisas Avançadas em Transcomunicação Instrumental) -, fundada há dez anos pela escritora paulistana Sonia Rinaldi. “Temos a pretensão de fazer um trabalho científico”, afirma. “Mas esbarramos na falta de recursos financeiros”, completa, lembrando que a associação não cobra nada de seus associados nem das pessoas as quais ajuda.
A motivação das primeiras tentativas de contato não foi a curiosidade, mas a saudade e a dor da separação de alguém que morreu. Mais de 70% dos experimentadores, segundo Sonia, começaram a se interessar pelo assunto após a perda de pessoas queridas. Com a transcomunicação instrumental, nome dado ao fenômeno, todos obtêm conforto e alívio ao saber que aquelas pessoas estão bem. “A prova concreta de que eles (os mortos) vivem, sentem e falam transforma a dor em esperança”, diz Sonia em seu livro Contatos interdimensionais, lançado recentemente pela editora Pensamento. Um CD com dezenas de vozes paranormais acompanha a obra.
Para a minoria dos experimentadores, como é o caso da própria Sonia, não foi a dor o principal motivo que os aproximou da transcomunicação. Foi a simples curiosidade ou, então, o interesse científico. De acordo com os relatos de gravações feitas por Sonia e outros associados da ANT, a vida Lá, como a denominam, não é muito diferente do que nós conhecemos aqui. “Pelo que eles nos contam, você continua comendo, dormindo, trabalhando e até viajando, mas tudo em outra dimensão”, conta Sonia.
O interesse da terapeuta de vidas passadas Rosa Alves de Faria Almeida por transcomunicação instrumental começou com a dor. Sua mãe, dona Júlia, havia acabado de morrer quando recebeu a primeira mensagem endereçada a ela, em 12 de dezembro de 1998. “Eu falei que queria falar com a minha mãe, mas não pude esperar para ouvir a resposta”, diz. Estava indo ao hospital visitar o pai, que estava internado. Na mensagem, que Rosa só ouviu após a morte do pai, ocorrida cinco dias depois, a voz de sua mãe dizia: “Eu estou aqui, minha filha. Está tudo bem. Já preparei o meu velho.” Depois dessa, Rosa não parou mais de tentar o contato com o Além. “Já falei com quase todos os meus parentes e amigos falecidos”, conta.
O difícil foi convencer os filhos da existência do fenômeno. Isso só aconteceu depois que Hugo (nome fictício), um conhecido da família, aceitou fazer um experimento durante uma visita a Rosa em São Paulo. No final da gravação, uma voz masculina dizia: “Nunca deram um filho para o meu filho.” Hugo, o único a entender a mensagem na sala, começou a chorar. Era a voz de seu pai, uma das únicas pessoas que sabiam que o filho que todos acreditavam ser de Hugo era, na verdade, adotado.
O processo de captação
Não é nada fácil conversar com os mortos pela técnica usada por esses transcomunicadores, como admite a própria Sonia. “Temos de enviar um determinado ruído aos comunicantes para que eles possam falar conosco”, explica. Esse ruído pode ser o de uma torneira aberta, técnica utilizada em outros países, rádios fora de sintonia ou até mesmo a “bolha humana” – gravação ininteligível de várias vozes que falam ao mesmo tempo. “Os comunicantes procuram modular esse som, ou seja, organizar esse turbilhão eletrônico para falar o que querem”, conta ela.
Quando começou a fazer experimentos, em 1988, Sonia utilizava um gravador comum e um rádio de ondas curtas mal-sintonizado. O gravador foi substituído por um computador equipado com um software feito especialmente para gravar os sons. É preciso ter muita paciência para ouvir as vozes. Primeiro, gravam-se algumas perguntas. As respostas não são imediatas.
Provas
Mas é inegável que o fenômeno impressiona, em especial as chamadas “vozes reversas”, algo que dificilmente poderia ser forjado. Isto é, algumas mensagens só podem ser escutadas quando a gravação é ouvida de trás para a frente, um artifício que conta com a ajuda do computador. A flautista Rosemeire Cassiano da Silva, em uma tentativa de se comunicar com seu irmão Beto, gravou: “Deixe uma mensagem para nós, por favor.” A suposta resposta, quando ouvida no sentido reverso, surpreende: ouve-se claramente uma voz feminina com sotaque português, bastante melódica. Ela diz: “Vosso irmão manda avisar que ama você.” Normalmente, o que se ouve quando um registro sonoro é tocado no sentido reverso é um emaranhado de sons sem sentido. Especialistas em fonética dizem ser praticamente impossível a formação de frases inteiras no modo reverso. Às vezes, tem-se a impressão de ter escutado alguma sílaba ou até mesmo uma palavra conhecida. Mas não passa disso. Há, no entanto, casos espantosos de pessoas que afirmam ter sido contatadas por telefone celular, bip e secretária eletrônica.
“Mensagem recebida em 10 de setembro às 21 horas e 36 minutos”, ouviu no celular a psicóloga paulistana Zilda Monteiro. Ela não entendeu nada quando escutou a mensagem, um “eu te amo” sussurrado. Pensou em apagá-la, mas se lembrou de um estranho combinado. Era a voz de seu ex-marido Edson, que morrera menos de um mês antes. Quando estava se recuperando de um infarto, Edson combinara de ligar para o celular da ex-mulher. “Daqui ou de Lá”, prometeu. Entrou em coma no dia seguinte e nunca mais acordou.
“Mostrei o recado para a mãe e a tia dele e elas reconheceram sua voz na hora”, diz Zilda. Para tirar a dúvida, a ANT solicitou uma análise técnica ao engenheiro Alessandro Pecci, que comparou a voz de Edson vivo com a mensagem do celular. O resultado: “Conclui-se que não existem evidências que comprovem que os locutores tr1 (Edson vivo) e tst1 (voz gravada no celular) são diferentes, dada a proximidade dos coeficientes encontrados.”
O assunto vem atraindo também o interesse de cientistas. O físico alemão e professor da Universidade de Mainz Ernest Senkowsky, que criou em 1980 o termo transcomunicação quando escreveu o livro Instrumentelle transkommunikation, transformou parte de sua casa em laboratório e pesquisa o assunto até hoje. Senkowsky começou seus experimentos em 1976. Até 1985, já havia arquivado mais de 25 mil vozes. A primeira que reconheceu foi a de seu pai, morto em 1959. Em um dialeto do leste da Prússia, o pai de Senkowsky o chamou pelo apelido de infância. “Eu não tento convencer os outros sobre a existência do fenômeno. Mas é impossível convencer alguém que está cego pelo ceticismo ou que fecha propositalmente seus olhos”, disse a ISTOÉ.
Ainda não há uma prova científica do fenômeno. “Há somente argumentos que são aceitos ou rejeitados pelas pessoas.” Porém, a história da ciência mostra, lembra Senkowsky, que uma opinião aceita pela maioria dos cientistas é, geralmente, encarada como “prova”. “Fenômenos paranormais, incluindo a transcomunicação, são interações físicas e psíquicas que se incluem dentro de um sistema holístico complexo, sobre o qual nossas regras de causa e efeito lineares não podem ser aplicadas”, diz o físico alemão. “Não haverá provas disso até que todo o sistema científico seja ampliado para englobar todos os fenômenos paranormais”, conclui. O endosso a essa opinião vem de um colega brasileiro. “Do ponto de vista da ciência, esse fenômeno por enquanto não existe”, afirma Euvaldo Cabral Jr., professor de Telecomunicações e Processamento de Sinais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), um dos poucos a não demonstrar preconceito em relação ao assunto, apesar de ser agnóstico, ou seja, não acredita em nenhuma religião. Mas, como ele mesmo ressalta, “da mesma forma que não há nenhum estudo comprovando a existência do fenômeno da TCI, também não há provas científicas de que ele não exista”.
Tal rigor não é compartilhado pelos usuários da TCI. Segundo eles, a grande vantagem da comunicação via aparelhos eletrônicos é a possibilidade de ter, sim, sua veracidade comprovada cientificamente. “Pelas características que apresenta, o fenômeno se presta a uma análise científica nos moldes convencionais, na área de processamento de sinais”, diz Cabral Jr. Para ele, isso é possível por envolver a geração de sinais elétricos – no caso, sons.
O caminho para se chegar a uma prova científica desse suposto fenômeno não é fácil. Primeiro, é necessário provar que ele é real, ou seja, que distúrbios elétricos não esperados ocorrem em dispositivos eletrônicos. Para isso, seria preciso construir um laboratório especial com blindagens eletromagnética e acústica à prova de quaisquer interferências externas, como sinais de rádio e sons ambientais. Caso o primeiro estudo conclua que realmente há interferências de causas desconhecidas ocorrendo em equipamentos eletrônicos, ele deve ser publicado em uma revista científica de renome internacional – como a Nature, a Science ou a Scientific American – para que possa receber críticas da comunidade científica internacional. A conclusão teria, então, de ser comprovada em outros laboratórios. Só assim, com o tempo, seria aceita como verdadeira.
Mais: se o objetivo é mostrar que as vozes realmente vêm do suposto mundo dos mortos, os sons atribuídos a eles teriam de ser comparados com a voz dos mesmos indivíduos quando vivos. Isso exigiria um grau de clareza e altura raros nas vozes registradas pelos experimentadores.
Cabral Jr. diz que poderia propor um projeto nesses moldes para pesquisar o fenômeno, se houvesse financiamento. Ele calcula em cerca de R$ 4 milhões os investimentos necessários para a construção e manutenção por dois anos de um laboratório nas configurações ideais. O que envolveria a aquisição de sofisticados equipamentos eletrônicos, computadores e a montagem de uma equipe técnica com cientistas das áreas de engenharia e física.
O próprio pesquisador conta que está concluindo uma teoria em que procura explicar todos os fenômenos paranormais. Concebida inicialmente para a área de robótica humanóide, o objetivo da teoria é, primeiramente, desenvolver robôs inteligentes, providos de emoção, um certo livre-arbítrio e, o mais impressionante, capacidades ditas “anômalas”, como a possibilidade de a mente do robô ser preservada mesmo sem o seu cérebro (hardware). “Tudo isso vai ser implementado via software”, explica Cabral Jr. Muito resumidamente, a teoria do pesquisador afirma que existem unidades de consciência geradas pelo ser humano que sobrevivem à morte do corpo físico. Essas unidades, que preservariam a personalidade do indivíduo quando vivo, é que interfeririam nas gravações dos experimentadores de TCI.
O assunto promete muita polêmica no meio científico. “O homem de ciência, muitas vezes, não acredita nem no que vê, mas só no que pode ser comprovado na ponta do lápis”, diz o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro e um dos cientistas mais conhecidos da opinião pública. “Eu só acreditaria na existência da alma se fosse possível comprová-la por meio de instrumentos científicos”, afirma.
Mourão concorda que há em seu meio bastante preconceito em relação aos fenômenos ditos paranormais. “Mas acho isso um erro. Temos de participar ao máximo dessas discussões”, afirma. Segundo ele, essa é a melhor forma de evitar a proliferação de interpretações falsas e forçadas. Apesar de se considerar um cético e não crer em teses de sobrevivencialistas, Mourão diz que participaria de qualquer pesquisa que estudasse a hipótese de vida após a morte.
E é verba o que falta na Associação de Transcomunicação Instrumental. Não há dinheiro em caixa para nenhum experimento científico mais elaborado, afirma a fundadora Sonia Rinaldi. Atualmente, a entidade está contando com um apoio que não deve chegar a R$ 10 mil da Legião da Boa Vontade (LBV). A instituição ecumênica, defensora da existência da vida após a morte, está patrocinando uma análise de 100 fitas com vozes paranormais.
FONTE:
http://versosincautos.wordpress.com/2010/08/02/transcomunicacao-instrumental/