terça-feira, 8 de março de 2011
A Missão de Kardec
Após 50 anos de preparação acadêmica e moral, Hippolyte Léon Denizard Rivail seria convocado pela espiritualidade para codificar a Doutrina Espírita.
Em 1854, ouviu falar, pela primeira vez, em mesas girantes. Rivail, que estudara durante muitos anos o magnetismo mesmeriano, acreditou tratar-se de um fenômeno magnético. "É com efeito muito singular, - diz Rivail - mas, a rigor, isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma propriedade da eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer com que eles se movam."
Logo mais tarde o magnetizador Fortier volta a falar com Rivail e lhe diz que as mesas não só se movem, mas pensam, respondem perguntas. O cético Rivail diz a Fortier: "Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que pode se tornar uma sonâmbula."
No início do ano de 1855 o Sr. Carlotti diz a Rivail que, no fenômeno das mesas, há influência das almas dos mortos.
A primeiro de maio de 1855, Rivail presencia uma manifestação espiritual. Uma alma evocada pelo magnetizador Carlotti se comunica através da médium Sra. Roger. A despeito de seu ceticismo, rendeu-se à evidência da comunicabilidade dos espíritos, convencido pela característica inteligente das comunicações. Diz Rivail que "a honradez da médium e a dignidade do magnetizador produziram em mim súbita conversão à Escola Espiritualista. Eu tinha dado um avanço para a Verdade."
A oito de maio Rivail presencia o fenômeno das mesas girantes. "O mais notável acontecimento da minha vida", declara ele.
Rivail passou a freqüentar as reuniões, no entanto não se sentia à vontade, pois enquanto muitos se entretinham em questionar os Espíritos sobre as insignificâncias do mundo material, Kardec se remoía no desejo de transformar aquela mesa numa cátedra. Ele via, ali, uma revelação transcendental, muito além de mera manifestação mecânica.
Uma noite, manifestou-se Zéfiro, declarando-se seu Espírito Protetor. Contou-lhe que o conhecera em uma existência anterior, no tempo dos Druidas, na Gália, quando Rivail se chamara Allan Kardec. Zéfiro revelou a Rivail sua missão de Codificador da Doutrina Espírita, para a qual seria convocado pelo Espírito de Verdade.
Certa feita, perguntou a Zéfiro se lhe era possível evocar o Espírito Sócrates.
Para espanto dos presentes, a resposta foi positiva. "Você já o consulta amiúde mentalmente", diz Zéfiro.
Em seguida, recebem, através da "Tupia", a mensagem de Sócrates: "A verdadeira Filosofia dos Espíritos adiantados só poderá ser revelada ao que for digno de receber A VERDADE."
Semanas mais tarde Kardec pergunta o que deve fazer para receber a missão, e obtém como resposta: "O bem, e dispor-se a suportar corajosamente qualquer provação para defender a VERDADE, ainda que precise... beber cicuta".
Kardec insiste em saber se está apto ao cometimento.
Resposta: "A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se não fizeres o que for necessário. Suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda; ver-te-ás a braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais dedicados; terás de sustentar uma luta quase contínua, com sacrifício de teu repouso, da tua saúde, da tua vida.",
Kardec responde, simplesmente: "Aceito tudo, sem restrição e sem idéia preconcebida. Está em tuas mãos a minha vida. Dispõe do teu servo."
O Método:
O Professor Rivail percebeu a futilidade das pessoas que participavam das reuniões, apenas interessadas em divertir-se. Percebeu também que a presença da jovem Caroline Baudin influenciava na qualidade das manifestações.
Já percebera, então, que os Espíritos eram apenas as almas dos mortos, que não diferiam das almas dos vivos. Alguns sérios, outros galhofeiros; uns sábios, outros ignorantes, e que, aos consulentes que demonstravam apenas curiosidade, respondiam Espíritos pouco evoluídos, também interessados em divertir-se.
"Fazia-se mister andar com a maior circunspecção e não levianamente; ser positivista e não idealista, para não me deixar iludir", diz Kardec.
Passou então a reunir-se em casa do Sr. Baudin, pois percebia que a serenidade do ambiente e das pessoas facilitava a manifestação dos bons Espíritos.
"Tratava os espíritos como tratava os homens."
O Processo:
O Professor Rivail utilizou, para a composição do livro, especialmente as médiuns Caroline Baudin, 18 anos, Julie Baudin, 14 anos e Ruth Japhet, que auxiliou especialmente na revisão da obra.
Caroline Baudin pode contar-nos como tudo aconteceu:
"Quem compôs a obra foram os Guias, o Professor Rivail e o "Roc". "Amarrava-se o "Roc" na "Tupia" (cesta de vime), Julie ou eu, com outras pessoas consulentes, encostávamos alguns dedos no bordo da Corbelha. O resto era obra dos Espíritos.
"Roc" era o lápis de pedra com que os Espíritos riscavam diretamente as respostas numa ardósia comum. "Zéfiro, nosso Espírito familiar riscava as respostas dos consulentes. A casa se enchia de curiosos, num ambiente de alegria, sem formalismos.
"Certo dia, o Professor propôs que a sessão seria aberta à hora certa, iniciada com uma prece e teria recolhimento respeitoso para merecer a presença de Espíritos adiantados.
"Dia primeiro de janeiro de 1856 teve início o novo método. "Muitos consulentes que só vinham para perguntar tolices sobre casos domésticos não voltaram mais. Ficaram, porém, alguns mais dispostos a aprender.
"Algumas vezes o Professor Rivail recusou lições. Ele discutia com os espíritos como se fossem homens. Não aceitava o que não estivesse conforme a razão "Nas sugestões mais sérias, quando surgia um impasse, evocava o Espírito VERDADE, que muita vez deu razão ao Sr. Rivail."
Revisão:
Colaborou decisivamente na elaboração da obra a médium Srta. Ruth Japhet. Kardec se reunia com a família Japhet freqüentemente, para revisar as respostas dadas pelos Espíritos. Todas as perguntas e respostas eram lidas, revistas e corrigidas, se necessário.
A conselho dos próprios Espíritos, outros médiuns, mais de 10, foram utilizados para confirmação das orientações espirituais. Era indispensável que nada ficasse incorreto, obscuro, duvidoso. O Mestre Lionês tinha plena consciência do alcance moral da nova doutrina e de sua missão. "Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui", afirma.
18 de abril - Lançamento da 1ª Obra:
Manhã de primavera na Europa. Bem cedo chega à Livraria Dentu, no Boulevard des Italien, em Paris, uma carruagem trazendo os 1.200 exemplares da primeira edição de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, para a divulgação da VERDADE revelada pelos Espíritos.
O LIVRO já era esperado. Muitas edições de obras sobre mesas girantes, mesas falantes, mesas que dançam vinham sendo editadas. O público já não se interessava mais por essa literatura. O Livro dos Espíritos, no entanto, já era conhecido da Sra. Mélanie Dentu e do gerente Clément, que sabiam tratar-se de obra edificante e serena.
À tarde, quando Allan Kardec chegou à Livraria, foi recebido efusivamente. Mais de 50 exemplares já haviam sido vendidos, além dos volumes doados como propaganda. À noite, o Prof. Rivail e sua esposa Gabi recebem, em seu modesto apartamento, à Rue des Martyre, 8, as pessoas envolvidas na edição do LIVRO.
Émile Charles Baudin estranha a mudança do nome do livro, que se intitularia "Religião dos Espíritos". Kardec explica que esse nome provavelmente seria vetado pela censura. Além do mais, O LIVRO DOS ESPÍRITOS é apenas a primeira página da Religião dos Espíritos. Por outro lado o nome Livro dos Espíritos tem significado mais abrangente. As pessoas pensarão que se trata do LIVRO de autoria DOS ESPÍRITOS, o que é uma verdade, porém o verdadeiro significado é O LIVRO que trata DOS ESPÍRITOS.
Caroline Baudin, jovem médium de 18 anos de idade, conta à jovem visitante Ermance Dufaux, também médium, como se realizaram as comunicações que resultaram na edição da obra.
O Prof. Rivail fala aos presentes sobre cada passo das revelações, e de como se envolveu com a missão.
Os companheiros presentes também se manifestam sobre suas participações nos acontecimentos que propiciaram o aparecimento da obra.
Muita emoção envolve a todos, conscientes da verdadeira missão assumida pelo Prof. Rivail, bem como da extraordinária importância da obra que acabava de vir a lume.
Rivail faz uma comovida prece, que emociona.
Ermance Dufaux recebe extensa e profunda mensagem de S. Luís, que diz, para motivar os presentes, entre outras coisas:
"Sabemos que nos cumpre vencer o principal inimigo da VERDADE: o Materialismo. À luta, pois! Cada um de nós em seu setor combatamos todos, sem hesitação, o Rancor oposicionista. Batalhemos todos, sem temor, contra a Rotina retardatária. Guerreemos todos, sem arrefecimento, a Perseguição. Mas, na luta, empreguemos somente as armas nobres dos Cavaleiros da VERDADE: A Humildade, a Prudência, a Tolerância, a Persistência. Sim, essas as nossas armas.
Na batalha da Luz contra a Treva outras não são permitidas que as do Evangelho."
Quase meia-noite, Rivail, antes de recolher-se ao leito, escreve, em seu caderno de memórias:
"Mais de cem exemplares de O LIVRO DOS ESPÍRITOS já se foram neste primeiro dia, doados ou vendidos. Cada volume será um grão de vida nova lançado ao coração de um homem velho. Se algumas sementes caírem em corações maduros haverá, por certo, gloriosas ressurreições. Mil e duzentas sementes da VERDADE serão lançadas no terreno da opinião. Se uma só frondejar, nosso esforço não terá sido em vão."
E, de castiçal em punho, rumou para o leito, na ponta dos pés, para não despertar Gabi.
Trecho do estudo sobre o grande Codificador da Doutrina Espírita, apresentado em palestra no NEU-UERJ/Faculdade de Ciências Médicas em setembro de 2000 por Walmor Lange Junior, graduando do curso médico.
"Foto da levitação de uma mesa na residência de Camille Flammarion, em 25/11/1898, Médium: Eusapia Paladino. Portal Guia Heu."
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